Além da reintegração ao serviço, a anistia já concedida a cerca de 5,5 mil servidores demitidos na reforma administrativa do governo Collor poderá resultar numa despesa extra de pelo menos R$ 1 bilhão não prevista pelo governo federal. Trata-se de uma indenização reivindicada na Justiça pelos anistiados. A Lei nº 8.878/1994, sancionada pelo então presidente Itamar Franco, veda qualquer remuneração em caráter retroativo, mas servidores que retornaram ao serviço já garantiram indenizações por danos materiais na Justiça Federal de 1ª Instância. Os cerca de 5,5 mil servidores já reintegrados podem reivindicar indenizações semelhantes, no valor médio de R$ 200 mil. Outros 10 mil funcionários ainda tentam o retorno ao serviço.
Os beneficiados pela anistia também já estão ingressando com ações na Justiça para que o tempo de afastamento forçado conte para a aposentadoria. No caso da administração direta, no regime jurídico único, isso já está garantido, mas não ocorre o mesmo com servidores que retornam no regime da CLT. O Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal (Sindsep-DF) defende que o empregador (no caso o governo federal) pague a contribuição previdenciária desses servidores durante o período em que estiveram afastados.
Para o Ministério do Planejamento, a Lei de Anistia é clara: os efeitos financeiros só serão gerados a partir do efetivo retorno à atividade. Em setembro do ano passado, essa posição foi reforçada por uma decisão da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Decisão anterior, da 5ª Turma do TST, determinava a contagem dos efeitos a partir do ajuizamento da reclamação trabalhista. Para buscar parte dos salários perdidos durante quase 20 anos, o Sindsep-DF construiu uma tese especial.
Indenização
A contagem dos efeitos financeiros, segundo o sindicato, não se daria pela data de demissão, porque isso seria considerado como pagamento retroativo de salários, nem pela data do ajuizamento da ação. As ações dos servidores colocam como marco inicial dos direitos financeiros os decretos 1.498 e 1.499, de maio de 1995, editados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses decretos suspenderam os efeitos da Lei de Anistia, porque haveria suspeitas de irregularidades na concessão do benefício. Naquela data, cerca de 50 mil servidores — do total de 115 mil demitidos por Collor — já teriam direito à anistia. Foi criada, então, a Comissão Especial de Revisão dos Processos de Anistia, que pouco ou quase nada fez durante os oito anos do governo FHC.
Em junho de 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou a Comissão Especial Interministerial (CEI), com a decisão política de reavaliar os processos e conceder os benefícios cancelados por FHC. As reintegrações começaram em 2007, mas ocorreram em sua maior parte em 2009. Já retornaram ao serviço 5.478 funcionários públicos. A CEI seria extinta no fim de 2009, mas o seu prazo foi prorrogado para que sejam analisados todos os 15 mil recursos apresentados à comissão. A preocupação dos anistiados agora é recuperar os salários perdidos durante 15 anos.
As ações na Justiça Federal são individuais, mas orientadas pelo Sindsep-DF. Numa delas, julgada em junho do ano passado, Roberto Xavier Pereira, demitido da Cibrazem, atual Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), reivindicou o pagamento de danos materiais no valor de R$ 295 mil, relativos aos salários que deixou de receber de maio de 1995 a março de 2004, além de R$ 100 mil por danos morais. Ele alegou que o seu direito de retorno ao trabalho foi reconhecido por lei, mas suspenso por ato do presidente FHC. Em novembro de 2001, já no governo Lula, o Ministério do Planejamento reconheceu que a sua anistia deveria ser concedida. Mas ele só foi reintegrado em 2004.
A juíza federal Cristiane Pederzolli Rentzsch julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a União a pagar os danos materiais que Pereira sofreu em decorrência da demissão, considerando o período de maio de 1995 a março de 2004. A correção monetária de cada parcela deverá ser calculada a partir de 1995, com juros de 0,5% ao mês. O governo federal recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.
» Briga com o INSS
O Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal (Sindsep-DF) coordena as ações de indenização e de contagem do tempo de serviço apresentadas à Justiça Federal pelos servidores demitidos no Plano Collor. A contagem do tempo está garantida no âmbito da administração direta para quem voltou no regime jurídico único. A luta será dos celetistas, relata o advogado do Sindsep-DF, Ulisses Borges: “No regime da CLT há um problema, porque o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) não quer nem saber. Estamos entrando com ações para forçar o INSS a contar esse tempo de serviço. A tese que a gente inventou foi a seguinte: você aciona o empregador e o INSS juntos. E o empregador tem que pagar essa contribuição previdenciária. O INSS tem feito um estudo para ver se abraça esse tempo para esse pessoal, mas ainda está na fase de negociações”.
O advogado também explica a estratégia do sindicato para buscar uma indenização que compense aos servidores os salários perdidos durante os anos de afastamento do serviço público. “No sindicato, nós elaboramos uma tese, no sentido da responsabilização do Estado pelo atraso. Aí, temos mais de 30 sentenças de anistiados que voltaram, em termos de indenização, pedindo o pagamento dos salários. Aquele decreto (1.498/1995) que mandou suspender tudo causou um prejuízo. O decreto dizia que, tendo em vista que há ilegalidade em vários casos de anistia, tinha que parar tudo. Mas o próprio Estado reconheceu que não havia ilegalidade no caso do pessoal reintegrado.”
O Sindsep-DF esclarece, porém, que nenhuma ação transitou em julgado. Isso significa que não foram esgotados os graus de recurso. “A tese poderá prosperar ou não. Há recursos do governo no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região que ainda não foram julgados. Também tenho duas sentenças contrárias. Estamos tentando, pelo caminho da reparação do dano, o mesmo efeito financeiro”, informa Borges.
Ele conta com o aspecto emocional para obter a vitória até no Superior Tribunal de Justiça (STJ). “É uma tese muito boa. Ela tem um apelo emocional forte. O camarada estava demitido. Aí, vem o Estado e o anistia. Ele estava para voltar, mas acaba ficando mais 10 anos, às vezes 15, para retornar. O custo social disso é muito grande. O cara perde a mulher, que começa a depreciá-lo, porque ele não é mais provedor. Daqui a pouco, ele não consegue mais pagar o carro, perde o carro, perde a casa. Tem muita gente que perdeu até a vida. E depois o Estado diz: ‘A sua anistia está correta, você pode voltar’.” Segundo o advogado, a idade média dos servidores reintegrados está em torno de 50 anos.
Borges ajuda a fazer o cálculo de quanto receberiam os 5,5 mil servidores já reintegrados(1). Seria cerca de R$ 1 bilhão. “Para o Estado, isso aí são centavos”, comenta. Se forem atendidos mais 10 mil servidores que ainda não tiveram os processo concluídos, o custo total chegará aos R$ 3 bilhões. (LV)
1 - Direitos do reintegrado
O artigo 6º da Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994, determina que a anistia aos servidores demitidos no governo Collor “só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo”. O TST decidiu, em setembro do ano passado, que os efeitos financeiros devem ser considerados somente a partir do retorno ao trabalho.